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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Corridas Inesquecíveis - Dose Dupla Brasil e Inglaterra 93

Para que eu possa contar a vocês um pouco da história dos GPs do Brasil e da Inglaterra de 1993 é preciso realizar uma digressão histórica e falar um pouco sobre a situação da Fórmula 1 naqueles tempos.
O ano de 1993 começava com o campeão anunciado, o francês Alain Prost, guiando o seu impressionante Williams “de outro planeta”, como dizia Senna. Era desanimador entrar em qualquer curva atrás daquele carro tamanha a diferença de equilíbrio na frenagem e aproximação de curva. Mais desanimador ainda era tentar, em vão, sair da curva no vácuo dos Williams e vê-los “estilingando” na frente como se pertencessem realmente a outro mundo.
Michael Schumacher guiava o Benetton equipado com os motores Ford Zetec que, por determinação contratual, eram cerca de 40 cv mais potentes que os motores Ford fornecidos para a McLaren, equipe de Ayrton. A Benetton contava ainda com as “supostas” e tão faladas artimanhas de Briatore e “Schummy” para driblar o regulamento e obter ganhos de desempenho na pista e nos boxes.
Ayrton Senna, por sua vez, vinha de um ano difícil em que tinha assistido ao passeio de Mansell com o tão sonhado Williams. Prost havia vetado a ida do brasileiro para a equipe de Sir Frank, motivo pelo qual Senna passou a pensar seriamente na hipótese de não correr no ano de 1993.
Após muita insistência e diante da relutância de Senna em entrar em qualquer carro que não fosse o Williams, Ron Dennis conseguiu convencê-lo a testar o McLaren Ford. Ron sabia que não tinha equipamento para disputar o título, mas com Ayrton certamente teria chance de vencer corridas. No fundo, Ron tinha certeza de que, apesar de não ter um bom motor, o carro era bem nascido e equilibrado. Mas nada disso valeria se Ayrton não gostasse do monoposto.
Ayrton então iniciou o teste enquanto Ron Dennis aguardava ansioso o seu parecer. Senna retornou aos boxes após uma excelente performance no teste, retirou o capacete e a balaclava e aí foi o bastante. Ayrton nada falou e não esboçou sorriso para não dar o braço a torcer. Mas conhecendo Ayrton Senna como conhecia, Dennis, ao ver o semblante do piloto brasileiro, teve a certeza de que havia conseguido o seu intento.
Faltava a segunda parte: o contrato.
_ US$ 16.000.000!!!
Ron não acreditou na exigência de Ayrton.
_ Você quer que eu lhe pague US$ 1.000.000 por corrida?
E foi assim que Ayrton competiu em 1993, com um contrato sendo fechado a cada corrida como se fosse uma espécie de, no bom sentido, “matador de aluguel”, “sniper” ou algo semelhante. “No money. No race.”
Caros amigos, vocês podem ter a certeza de que essa foi, na minha humilde opinião, a melhor temporada de Ayrton Senna na F-1.
O companheiro de Senna foi, durante as sete primeiras provas, o incompetente campeão da fórmula indy Michael Andretti, substituído depois pelo competente, promissor e jovem piloto finlandês, o futuro bi-campeão (98/99) Mika Hakkinen.
Cabe um pequeno adendo pra falar a respeito de uma passagem ocorrida após a substituição de Andretti por Hakkinen.
Em sua primeira corrida na temporada, salvo engano na França, Hakkinen conseguira ser mais rápido que Senna, conquistando uma posição à sua frente no grid. Foi mais do que suficiente para um batalhão de repórteres invadirem o paddock em busca de uma palavra daquele jovem que conseguira ser mais rápido que o “rei da pole”.
Queridos amigos do blog. Não posso deixar de consignar, neste momento, as considerações de Gerhard Berger sobre o ocorrido.
Berger era amigo de Senna e havia sido seu companheiro na McLaren. Sempre foi um piloto muito rápido mas sentiu, por diversas vezes, o que era lutar contra um piloto da estirpe de Ayrton. Em seu livro, Berger ressalta que Senna era único, “extraordinário”. Porém afirma que conseguia ser tão rápido quanto ele. O problema é que, segundo ele, físico e mentalmente, Senna era dois a três níveis acima dos demais pilotos. E Berger jamais havia visto alguém com tamanho compromisso com a vitória. O austríaco sabia que superar Ayrton, ainda que uma única vez, era o mesmo que assinar uma sentença de morte.
Berger relata que, num diálogo com o francês Jean Alesi, este disse que iria superar, derrotar Ayrton Senna. Berger respondeu da seguinte forma: “Esquece! Você não vai conseguir! Um dia pensei o mesmo que você. Mas não dá!”
O austríaco sabia o quê e o quanto incomodava Ayrton ser superado por seu companheiro.
Então, após a “proeza” do finlandês, Berger passou pelo novo pop star Mika Hakkinen no paddock e tirou um pequeno momento para falar-lhe o seguinte:
- Parabéns, Mika! O aluno andando mais rápido que o professor!
Com humildade, Mika agradeceu e deu um sorriso.
Berger então emendou:
- Aproveita que esta é a última vez que você conseguirá andar na frente dele.
E nunca mais Mika Hakkinen superou Senna.
Feitas as considerações iniciais, passo a contar a história das corridas inesquecíveis.
O Ayrton Senna de 1993 era outro, mais leve, mais sorridente, de certa forma descompromissado pois não tinha a obrigação de vencer. Seu carro era o quinto na F-1. À sua frente estavam os dois Williams e os dois Benetton. E mais, num dos Williams o tetra campeão Alain Prost. Num dos Benetton o futuro heptacampeão Michael Schumacher. Pra completar, Senna estava em lua-de-mel com a nova namorada, Adriane. Enfim, um estado de espírito como pouquíssimas vezes se viu. O nível máximo de amadurecimento pessoal, sentimental e profissional.
Mesmo sem ter um carro a altura, o inabalável Ayrton conseguiu três primeiros lugares e dois segundos lugares nas seis primeiras provas. Seria inacreditável se não tivesse assistido à tudo.
Em Donington Park, na Inglaterra, Senna fez aquela que receberia o título de “volta de placa”, a primeira volta mais fantástica da história da fórmula um.
Chovia muito e Senna largou em quarto, atrás dos Williams de Prost e Hill e de Karl Wendlinger. Atrás dele estava Michael Schumacher com seu Benetton “batizado”. Pintando a luz verde, o alemão partiu para cima de Senna e buscou a trajetória externa da primeira curva. Ayrton então mergulhou pelo lado de dentro da curva numa manobra ousada, da esquerda para a direita, recuperando sua posição. Duas curvas depois Senna deu início a uma ultrapassagem antológica. Ultrapassou Wendlinger por fora numa curva à esquerda, deixando-o encaixotado atrás de Hill e pegando a preferência da curva seguinte à direita. Literalmente não havia tempo para respirar. Mais duas curvas e Damon Hill, atônito, assistia Ayrton lhe ultrapassando como se chovesse para todos e menos para ele. Segundo o jornalista Celso Itiberê, os ingleses, inclusive os narradores, não acreditavam naquilo que estava acontecendo. Parecia coisa de filme de ficção. Mas ainda faltava um carro à sua frente. O de Alain Prost. Ayrton então freou o mais dentro possível na curva do grampo, tocou rodas com Prost, dominou o carro que abanava para todos os lados e assumiu a ponta em apenas meia volta. Alguns grandes nomes do circo afirmaram, tempos depois, que se houvessem mais vinte carros à frente de Ayrton Senna, ele passaria por todos, sem dúvida alguma.



A corrida acabou com somente Senna e Damon Hill na mesma volta. Este 1m 24seg atrás do brasileiro. Ayrton quase deu uma volta em todos. Teve piloto que terminou a prova seis voltas atrás.



Será que Ayrton ainda tinha mais alguma coisa a mostrar na F-1? Muita gente se fazia essa pergunta. Foi quando chegou, quinze dias depois, o GP Brasil.
Novamente os Williams na frente e na mesma ordem, com Prost fazendo um tempo 1 segundo e 8 décimos mais rápido que o de Ayrton. Senna, dessa vez, conseguira a terceira posição no grid, de novo à frente de Schumacher (dois décimos). Andretti e Patrese vinham logo à seguir com tempos um segundo mais lentos que o de Senna.
A superioridade dos Williams era massacrante e em condições normais seria impossível superá-los. Eu disse em condições normais mas, sob chuva...
Pois é, a previsão do tempo anunciava chuva durante a prova. E aí amigos... vocês já sabem.
Prost pulou na frente e Senna passou Hill no “esse” que leva seu nome. Schumacher veio logo atrás, em quarto. Andretti bateu em Berger na largada em um grande acidente. Pouco tempo depois Damon Hill, que trazia consigo Schumacher, passou Ayrton na reta dos boxes enquanto Prost passeava lá na frente. Mas aí começou a chover e a história mudou.
Prost perdeu o controle do carro do “esse” do Senna e bateu no carro de Christian Fittipaldi. Após a troca de pneus, Senna se distanciou de Schumacher e aproximou-se de Hill. Aliás, aproximou-se não, passou “de passagem”. Na subida do lago Senna deu um “drible” no inglês, fez uma “catimba”, jogou o carro para a esquerda e passou Hill pela direita. E aí, com disse o próprio Ayrton imitando o personagem do “Seu boneco” da Escolinha do Professor Raimundo: “fui pra galera!!!”
E foi mesmo. Venceu a corrida com dezesseis segundos sobre Hill e quarenta e cinco segundos sobre Michael Schumacher.
Ao passar pela reta oposta, teve que parar o carro pois “a galera” invadiu a pista e o carregou nos braços. Foi a consagração.
No pódio, atentem para o primeiro detalhe, Juan Manuel Fangio, pentacampeão mundial de F-1, entregou o troféu para Senna que, com muita emoção, desceu e deu um fraterno abraço e um beijo em Fangio, demonstrando todo o respeito e admiração pelo piloto.
Segundo detalhe. Levando-se em conta os sete títulos que Schumacher viria a conquistar e, porque não o título de Hill, somados aos de Senna e Fangio dá um total de dezesseis títulos mundiais de F-1 em apenas uma foto. O passado (Fangio), o presente (Senna) e o futuro (Schumacher), as três maiores lendas de todos os tempos no automobilismo reunidas pela primeira e última vez em uma foto.





Senna terminou o campeonato, incrivelmente como vice-campeão, superando Hill e Schumacher. Deu um show em Silverstone ao segurar Prost e Schumacher por dezenove voltas com audácia, talento e muita coragem. Para alguns um risco exagerado e sem propósito. Mas para quem ama a F-1, "momentos de automobilismo em estado de graça".



1993
Posição no campeonato 2º - 73 pontos
África do Sul 2º
Brasil 1º
Europa 1º
San Marino –
Espanha 2º
Monaco 1º
Canadá 18º
França 4º
Inglaterra 5º
Alemanha 4º
Hungria –
Bélgica 4º
Itália –
Portugal –
Japão 1º
Austrália 1º

Espero que tenham gostado. Um grande abraço a todos os amigos do blog e até a próxima.

OBS: o Gp do Brasil foi ANTES do Gp da Europa. Obrigado pela lembrança, amigo Rafael. Peço-lhe desculpas porque quando escrevo, faço com base em minhas memórias e, como ser humano, posso errar. Acompanho a F-1 desde 1984 e nem sempre guardo a ordem cronológica dos fatos.

2 comentários:

Unknown disse...

Fantástico!

Porém, o GP Brasil foi antes do GP da Europa.

Falou!

Blog F1 Grand Prix disse...

Concordo com você: a temporada de 1993 foi mesmo a melhor do Senna. Ele não levou o título, mas provou que era o maior piloto do mundo...

Grande abraço!

Gustavo Coelho